Pequenas vilas que preservam o aramaico vêem a tradição ameaçada
Robert F. Worth
The New York Times
Elias Khoury ainda se lembra dos dias em que as pessoas mais velhas na vila próxima ao penhasco falavam apenas aramaico, a língua de Jesus. Malula, ligada à capital, Damasco, por um trajeto longo e esburacado de ônibus pelas montanhas, era quase inteiramente cristã, vestígio de um Oriente Médio mais velho e diverso que existiu antes da chegada do islamismo.
Agora Khoury, 65, cabelos grisalhos e doente, admite, com tristeza, ter esquecido a língua que falava com a própria mãe:
– Está desaparecendo. Muitas palavras em aramaico eu não uso mais e esqueci – disse, em árabe, sentado com a mulher em uma cama na casa de pau-a-pique em que cresceu.
Malula, junto com duas vilas menores vizinhas onde também se fala o aramaico, é ainda celebrada na Síria como uma ilha lingüística única. No Convento de São Sérgio e São Baco, em um morro acima da cidade, jovens garotas recitam o Pai Nosso em aramaico para os turistas, e livretos sobre a língua estão à venda em uma loja no centro da cidade.
Em extinção
Mas a "ilha" cresceu muito pouco ao longo dos anos, e alguns moradores dizem que têm medo de não durar. Os cristãos que falam aramaico já constituíram uma grande população espalhada pela Síria, Turquia e Iraque, mas foram desaparecendo devagar, alguns fugindo para o Ocidente, outros se convertendo ao islamismo. Nas últimas décadas, o processo acelerou, com vários cristãos iraquianos escapando da violência e do caos de seu país.
Yona Sabar, professor de línguas semíticas da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, disse que hoje Malula e suas vilas vizinhas Jabadeen e Bakhaa representam "os últimos moicanos" do aramaico ocidental, língua que Jesus falava na Palestina há dois milênios.
Com suas casas antigas unidas de forma pitoresca próximas a uma rachadura surpreendente nas montanhas, Malula era distante de Damasco, capital da Síria, e a população local passava a vida na vila. Mas agora há poucos empregos, e os jovens vão para a capital buscar trabalho.
Mesmo se voltarem, estão menos propensos a falar em aramaico. Os ônibus para Damasco costumavam sair uma ou duas vezes por dia. Agora, saem a cada 15 minutos, e com estradas melhores, a viagem leva cerca de uma hora. O intercâmbio constante com a cidade grande, sem mencionar a televisão e a internet, acabou com o isolamento lingüístico de Malula.
– As gerações mais jovens perderam o interesse no aramaico – lamenta Khoury.
Sua neta Katya – 17 anos, olhos claros, vestindo jeans – ofereceu alguns exemplos da língua: awafih para olá, alloy a pelach a feethah para "Deus esteja convosco". A garota aprendeu aramaico em um novo curso em Malula, criado há 2 anos para manter a língua viva. Katya sabe algumas canções também, e começou a aprender a escrever – algo que nem mesmo seu pai chegou a fazer.
Khoury sorri com as palavras, mas lembra como em sua própria infância, há 60 anos, os professores batiam nos alunos que falassem aramaico na aula, reforçando a política de arabização do governo.
– Agora é o contrário – conta.
As famílias falam arábe em casa e aprendem aramaico no curso de línguas junto aos estrangeiros.
No cruzamento central da cidade, um grupo de jovens do lado de fora de um mercado pareceu confirmar a visão triste de Khoury.
– Falo um pouco de aramaico, mas dificilmente consigo entender – desabafa Fathi Mualem, 20.
John Francis, 20, conta que o "pai escreveu um livro sobre isso", mas quase não fala a língua.
Extraído de:
Jornal do Brasil, Internacional, em 03/05/2008.
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