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terça-feira, 8 de janeiro de 2008

História da Língua Hebraica (4)

Continuação da proposta do tópico anterior. Abordagem sobre os estudos da língua hebraica – “hebraico bíblico”.


Hebraico Bíblico (TREBOLLE BARRERA)[1]

Trebolle Barrera (1995:8-9) mostra a necessidade dos estudos bíblicos de construir pontes entre os diversos campos de estudo. O estudo da Bíblia exige o trabalho conjunto de epigrafistas e paleógrafos por um lado, e de historiadores da religião bíblica, do pensamento judaico e do pensamento cristão por outro. Muitas são as questões que exigem atualmente um tratamento interdisciplinar.

Histórico: As descobertas modernas resgataram outras línguas semíticas com os quais o hebraico está aparentado (acádico, ugarítico, fenício, etc.), assim omo línguas não semíticas, que de alguma forma influíram no hebraico e no aramaico.

Segundo Trebolle Barrera (1995:9), no terreno lingüístico a Bíblia trilíngüe exige um novo diálogo e não o velho distanciamento entre hebraístas, helenistas e latinistas. O trilingüísmo hebraico-aramaico-árabe, com o qual conviveram os massoretas, gramáticos e exegetas judeus do Oriente árabe e da Espanha muçulmana, exige não esquecer-se da contribuição do árabe para compreender a tradição gramatical exegética presentes na transmissão textual da Bíblia Hebraica.

A descoberta na época moderna das línguas semíticas do Oriente Antigo originou um novo trilingüísmo representado pelo hebraico/aramaico-ugarítico-acádico, que ajuda a explicar muitas questões mal colocadas ou erroneamente resolvidas no passado com o cooperação unicamente da crítica textual ou do testemunho das versões. Essa nova descoberta lingüística possibilita também situar a literatura e a religião bíblica no seu contexto cultural originário.

Línguas semíticas


O hebraico e o aramaico pertencem à família das línguas semíticas. Estas se dividem em 4 grupos:

Semítico do Sul: inclui o árabe e o etiópico. Anteriormente o árabe era praticamente o único canal de aproximação ao estudo do semitismo antigo. Atualmente, o acádico tomou o lugar do árabe nesta função. Os comentários atuais dos livros bíblicos ignoram muitas referências utéis ao árabe que enchiam os comentários da primeira metade do século.

Semítico do Noroeste: é o cananeu em suas distintas formas: o hebraico, moabita, edomita por uma parte, e ugarítico, fenício e púnico, por outra.

Semítico do Norte: é basicamente o aramaico, subdividido em 2 grupos: o grupo ocidental (o aramaico da Bíblia, dos targumim e da Guemará do Talmud palestinense e ainda o samaritano e o nabateu) e o grupo oriental (o aramaico do Talmud babilônico e o siríaco das traduções bíblicas e dos escritos cristãos e mandeus).

Semítico do Leste: compreende o acádico e suas línguas derivadas, assírio e babilônio.

Observações gerais sobre o hebraico: A língua hebraica é conhecida na Bíblia como a “língua de Canaã” (Is 19,18), e mais freqüentemente como “judaica” (Is 36,11; 2 Cr 32,18). Os grupos de hebreus relacionados com os hapiru, encontrados em Canaã nos finais do século XIII a.E.C., somaram-se outras tribos do futuro Israel ali sediadas desde a Antigüidade. Depois da sedentarização em Canaã, os grupos vindos de fora começaram a falar também o hebraico.

1) Ortografia: Num primeiro período, durante os anos 900-600 a.E.C., a ortografia hebraica, como a fenícia, tendia a representar graficamente somente as consoantes. Ao longo do século XI, os arameus desenvolveram um sistema rudimentar de notação vocálica mediante as denominadas matre lectionis. Este sistema foi utilizado pelos israelitas a partir dos inícios do século IX a.E.C. No período entre os anos 600 e 300 a.E.C. começou-se a usar as matre lectionis para indicar a presença de uma vogal longa, sobretudo ao final de palavras. Com o passar do tempo desenvolveu-se uma tendência a representar inclusive as vogais breves.

2) Sistema de escrita: Até os séculos V-VI E.C., o hebraico não dispunha de um sistema de escritura dotado de vogais. Observa-se um esquecimento crescente da pronúncia exata do texto bíblico. Para evitar esta perda, ao lado da escritura consonântica foi criado um sistema de acentos e de vogais, que são indicados através de pontos e de traços diversos, situados em cima ou embaixo da consoante, depois da qual se pronunciam. Esta estrutura consonântica do hebraico (variações vocálicas dentro de uma mesma raiz estável e o sistema de escritura que utliza unicamente signos de valor consonântico) permitem mudanças fonéticas e gráficas (significantes) que ocasionam mudanças de significado. Isto permite uma duplicidade de sentidos em numerosos textos legais ou narrativos.

3) Raiz triconconantal: A característica mais particular da estrutura lingüística do hebraico e das línguas semíticas em geral é a composição triliteral das raízes, muitas das quais eram no início biconsonantais. Verbos e substantivos que se referem a um mesmo núcleo de significado derivam de uma mesma raiz. Dificulade de identificar a raiz de uma forma verbal. O texto bíblico apresenta algumas vezes duas leituras variantes, ocasionadas pela diferente identificação da raiz verbal.

4) Tempos verbais: Os tempos dos verbos, denominados de perfeito e imperfeito, não designam o tempo da ação (passado, presente e futuro), mas o caráter concluso (perfeito) ou inconcluso (imperfeito) da mesma. O leitor deverá deduzir do contexto se o verbo refere-se a tempo passado, presente ou futuro. A poesia hebraica pode servir-se indistintamente do perfeito e do imperfeito, justapondo-os pelo único prazer do paralelismo. Um judeu da época pós-exílica podia surpreender-ser tanto quanto um tradutor atual ao ver utilizadas num mesmo verso duas formas verbais que significam aspectos diferentes. O paralelismo poético pode jogar também com variantes na conjugação. Tais procedimentos poéticos podiam dar ocasião a variantes textuais. Por isso, é necessário muito cuidado para não corrigir os textos poéticos conforme os critérios gramaticais de épocas tardias.[2]

5) Indicação de caráter gramatical: Os primeiros escribas judeus podem ter deixado no texto indicações de caráter gramatical que não devem ser confundidas com o próprio texto bíblico. Exemplo: Na expressão do Sl 61,8b “Graça e lealdade (+ mn) o protegerão”, as consoantes mn não aparecem em alguns testemunhos do texto nem se encontram na passagem similar de Pr 20,28, pelo que resulta tentadora a proposta de sumprimi-las (cf. BHS – Bíblia Hebraica Stuttgartensia). Trata-se de uma indicação intorduzida pelo escriba: mn é uma abreviatura de male´ nûn (“plene nun”), pela qual se adverte que o nûn do verbo no tempo futuro, que segue imediatamente, não se elide[3], mas que há de escrever-se em sílaba fechada não acentuada. Estas duas consoantes não devem ser consideradas, portanto, como a partícula hebraica min (“de,” “desde”) nem como o pronome aramaico interrogativo man (“quem”).

6) Terminações específicas: Em suas origens, o hebraico dispunha de terminações específicas para indicar o caso dos nomes. O mesmo ocorreu na evolução das línguas românicas a partir do latim. Os casos terminaram desaparecendo e as relações de dependência começam a ser expressas através da ordem das palavras e mediante à utilização de partículas. Para expressar o genitivo o hebraico dispõe da forma chamada “construta”. A perda dos casos no hebraico determinou uma mudança de língua sintética para língua analítica. Esta passagem todavia não está completa pois o hebraico ainda conserva o estado construto.

7) Adjetivos: O hebraico é uma língua relativamente pobre em adjetivos. Carece também de formas específicas para expressar o comparativo e o superlativo. Em seu lugar faz uso da forma do construto ou de outro tipo de expressão.

8) Sintaxe: A sintaxe[4] hebraica prefere a parataxe à completa subordinação de frases (hipotaxe), característica do grego e do latim.[5]

9) Formas arcaicas: Os textos poéticos conservam freqüentemente formas arcaicas. Exemplo: o uso do imperfeito yiqtol para expressar o tempo passado, no lugar das formas qatal ou waw-yiqtol. O Sl 78 apresenta vários exemplos de uso poético característicos dos poemas de Ugarit. Igualmente poemas arcaizantes como o Sl 68 mostram a tendência a prenscindir do artigo definido ha (n)-, introduzido e generalizado após 1200 a.E.C.

10) Lexicografia: Ocorrência de muitos empréstimos tomados das línguas dos povos com os quais os israelitas tiveram contato ao longo do primeiro milênio a.E.C. As variantes léxicas podem dar lugar a variantes textuais. O hebraico tomou do semítico oriental numerosos termos.Os empréstimos das línguas não semíticas oferecem um interesse particular.

11) Lingüística comparada: A lingüística comparada pode esclarecer termos ou passagens obscuras do Texto Hebraico Bíblico (Antigo Testamento) com palavras ou expressões análogas em outras líguas semíticas. As fontes acádicas sempre se sobressaíram neste tipo de estudos. O descobrimento dos textos de Ugarit em 1929 orientou os estudos até o marco geográfico e cultural cananeu, habitat natural da língua e da literatura bíblica. Textos ugaríticos paralelos aos textos bíblicos permitem reconstruir a forma e o significado primitivos de palavras hebraicas mal copiadas ou mal interpretadas na tradição manuscrita.[6] Isto permite propor novas e melhores traduções de numerosas passagens do AT.

12) Hebraico Bíblico 1: O conceito de “hebraico bíblico” não deixa de ser uma ficção, como o é também o de “texto bíblico” ou, inclusive, o de “texto massorético” (Cf. Trebolle Barrera, 1995:322). Os textos bíblicos refletem um milênio inteiro de desenvolvimento lingüístico, pelo que não pode deixar de refletir hebraicos diferentes e de terem incorporado diversos dialetos. (Cf. Trebolle Barrera, 1995:75.)

13) Hebraico Bíblico 2: Coleções de livros bíblicos: a formação, a transmissão, tradução e interpretação do textos dos mesmos, deu-se ao longo dos séculos, o que corresponde ao uso do hebraico bíblico tardio e ao hebraico de Qumrã. O hebraico clássico e o pós-bíblico coexistiram por algum tempo. A obra do Cronista e dos livros do Eclesiastes e Ester mostram a evolução da língua nos períodos persa e grego. A forma do pronome anokhi “eu”, é substituída com freqüência pela de ani, e a forma do pronome relativo asher por –she. No hebraico pós-bíblico, o sistema do vav consecutivo começa também a decompor-se. As inovações léxicas do hebraico pós-bíblico são em geral, embora não sempre, empréstimos do aramaico.

14) Hebraico Bíblico 3: Ao longo dos períodos helenístico e romano, o hebraico bíblico, o clássico, sobreviveu não só como língua falada senão também como língua escrita, inclusive fora do âmbito da sinagoga.

15) Hebraico Bíblico 4: A gramática, o léxico e o estilo literário do hebraico mishnaico repousam sobre a base de um hebraico coloquial cujo uso sobreviveu durante esta época, embora não estivesse generalizado. O hebraico mishnaico se inscreve na evoluçãolingüística da língua hebraica bíblica com características próprias. O hebraico mishnaico contém alguns elementos genuinamente semíticos, que não se encontram no hebraico bíblico e carece, ao contrário, de outros comuns ao hebraico bíblico e ao aramaico. Características do hebraico mishnaico: a substituição definitva do relativo asher por –she, a forma shel do genitivo, o uso restrito do “estado construto”, o desaparecimento do sistema do vav consecutivo, maior freqüência do uso do particípio, convertido praticamente ao tempo presente.



[1] Adaptado de: TREBOLLE BARRERA, Julio. A Bíblia judaica e a Bíblia cristã: introdução à história da Bíblia. Trad. Ramiro Mincato. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. p.67-79.
[2] Ver o estudo de: BARCO, Francisco Javier del. Temporalidad, aspecto, modo de acción y contexto en el verbo hebreo bíblico. IN: Revista MEAH (Miscelánea de Estudios Árabes y Hebraicos). Sección Hebreo. 2003. v 2, p.3-286. ISSN: 0544-408X
Disponível em:
<http://www.ugr.es/~estsemi/hebreo/hebmeah52.htm>.

[3] Elidir: fazer elisão de; suprimir. / Elisão: eliminação, supressão; supressão da vogal átona final duma palavra, quando a seguinte principia por vogal (exemplo dalgo = de algo).
[4] Parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e das frases no discurso.
[5] Veja o estudo sobre o classicismo bíblico de TREBOLLE BARRERA, J. (1995) p.162-165.
[6] Veja o estudo de: PIQUER OTERO, Andrés. Estudios de sintaxis verbal en textos ugaríticos poéticos. Tese de Doutorado. Madri, Espanha: Departamento de Estudios Hebreos y Arameos da Facultad de Filologia/ Universidad Complutense de Madrid, 2004.
Disponível nos links:
<http://www.ucm.es/eprints/4653/> e
<http://www.ucm.es/BUCM/tesis/fll/ucm-t26689.pdf.>.

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