FERNANDO SERPONE
da Folha Online, em 07/05/2008.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Bruno Dallari - Uma política lingüística, nesse sentido de adoção de uma língua, supõe que os falantes renunciem à sua língua nativa em benefício de uma outra língua. E esse fato é muito difícil de você conseguir voluntariamente. A razão pela qual a [política] de Israel é a mais bem-sucedida é porque nunca tanta gente se dispôs a fazer isso, de uma vez só, e, sobretudo, dando o passo mais decisivo, que é fazer isso em relação aos próprios filhos. Então, em uma geração, você tinha uma comunidade inteira de falantes nativos do hebraico.
Não eram pessoas que falavam como uma segunda língua, mas como primeira língua. Isso é a excepcionalidade. Toda política lingüística supõe esse processo. Mas, de um modo geral, você tem uma rejeição grande, nem todo mundo topa fazer isso, ou você faz isso ao longo de um período de tempo muito grande, como é o próprio caso da Itália, e de outros países que se unificaram lingüisticamente.
Folha Online - A Itália hoje é unificada lingüisticamente?
Dallari - Muito relativamente. Até a ultima sondagem que eu tenho, ela tinha cerca de 56% de falantes nativos do italiano. Os outros 44% são falantes nativos de outras línguas, que as pessoas conhecem como dialetos, mas na verdade são línguas, como o calabrês, o lombardo, o piemontês, e falam o italiano como segunda língua.
Dallari - Era considerada não, era uma língua morta, inequivocamente. O critério é sempre saber se a língua tem falantes nativos ou não --se tem alguma criança cuja primeira língua seja aquela. O hebraico, não havia nenhuma [criança] que falasse no século 19, ela estava morta há muitos e muitos séculos.
Dallari - Mais até, porque o latim e o grego tinham uma sobrevida através de outras atividades que eram exercidas nessas línguas por pessoas que não as falavam, pois se escrevia --de filosofia, de direito, de ciência-- em latim e
Folha Online - Como foi o processo de recriação do hebraico de uma língua morta para a língua do povo de Israel, e judeu em geral?
Dallari - Primeiramente, Yehuda teve de criar uma língua. Esse é um dado importante, ela não foi uma reconstituição, ela foi uma criação. O dado objetivo sobre isso é que mais de 50% dos termos do hebraico moderno foram termos inventados, que não existiam até 1880.
Tanto porque havia uma porção de sentidos modernos que não existiam na língua, quanto porque havia coisas como, por exemplo, a língua não tinha diminutivos, e Yehuda entendeu que era o caso de ter. Um engano que não deve ser feito é imaginar que o hebraico moderno é o mesmo hebraico que se falava nos tempos de Cristo.
Folha Online - Com Yehuda, e mesmo depois, termos foram emprestados de outras línguas?
Dallari - Termos de outras línguas, principalmente do iídiche, acima de todas, mas também do russo, do polonês, do ucraniano, alguns termos sefarads, e um pouco do árabe clássico.
Dallari - Durante muito tempo ela não foi adotada como idéia, foi considerada como loucura, delírio do Ben Yehuda, pela razão simples de que ninguém achava possível fazer uma língua morta virar uma língua viva, justamente porque ela supunha essa adesão dos falantes.
Então, mesmo as pessoas que foram aprender o hebraico, e foram muitas em números absolutos, elas não tinham essa expectativa, de que aquela fosse virar a língua do Estado de Israel, ou de qualquer Estado.
Dallari - Dos rabinos, o que é interessante, porque ela continua até hoje, não é uma oposição que caiu. Eles entendem como uma profanação da língua sagrada
Dallari - Ela acabou sendo decisiva. A alternativa seria Israel se definir como um Estado cujo único fator de coesão fosse a religião, e que, à parte disso, se constituísse como uma miríade de comunidades nacionais distintas. Só a unificação lingüística garantiu criar, autenticamente, uma nação israelense, o que é visto como paradoxal por muitos, que falam: "Mesmo a nação israelense não é garantia do próprio judaísmo" --o que continua sendo o entendimento dos rabinos. Eles falam: "Grande coisa criar um Estado laico, que não necessariamente tem vínculo com o judaísmo". Eles acham que a laicização dispersa os esforços em torno do que realmente deveria ser relevante, que é o aspecto religioso.
Dallari - O que criou um problema para os judeus, porque eles são obrigados a se identificar com o Estado, defender o Estado, a ter mil problemas derivados do Estado, enfim, que poderiam não ter, ou que não necessariamente faz parte daquilo que é o judaísmo.
Aí cria-se a identidade nacional típica, que é língua, nação, cultura comum, cultura partilhada, mas, a religião vira um fator secundário dessa coesão.
Folha Online - Os imigrantes são um empecilho para a consolidação da língua em Israel?
Dallari - O que está acontecendo de peculiar, principalmente com os imigrantes russos, é que eles não têm disposição de aderir ao hebraico. Eles estão fazendo isso inercialmente, mas não têm o entusiasmo dos primeiros imigrantes que estavam construindo um Estado.
O que está sendo típico dos russos é eles irem a Israel e criarem lá uma pequena Rússia, que é um grupo à parte, com jornais e escolas. A questão das escolas é muito sintomática, porque eles não esperam nem que os filhos deles se tornem falantes hebreufones.
Dallari - Não. Eles aprendem o hebraico como uma segunda língua.
Dallari - Eles acham que estão no deserto, que os judeus, na verdade, são árabes culturalmente, os acham muito atrasados. E eles têm a tradição russa de cultura erudita, principalmente na música e na literatura, sabem declamar [o poeta e romancista Aleksandr] Pushkin e etc, e os judeus têm uma cultura parecida com a nossa, moderna, pop...
Folha Online - Quais os principais desafios que a língua hebraica enfrenta hoje?
Dallari - Não sei se chega a ser um desafio, mas é a própria transformação do hebraico. O fato de que é uma língua viva. Se você entrar no site da Academia da Língua Hebraica, há uma espécie de convite às pessoas a que co-participem desse processo, no sentido de termos novos. Então, a questão é manter a língua como valor, por um lado, e impedir que ela descaracterize Israel como Estado religioso. Mas é impossível, o que aconteceu hoje é: você tem o Hebraico criado, que é uma língua que tem falantes e que, objetivamente, não têm nenhum vínculo obrigatório com a questão religiosa.
Dallari - Ele é tão importante que a Unesco criou uma espécie de cátedra, que ganhou o nome dele, que é considerado uma grande referência histórica na reconstituição das línguas.
Dallari - Não, nenhum. Criada, não. Há grupos que defendem a volta do latim como língua oficial. Mas mesmo esses não têm a expectativa de que as pessoas voltem a ser falantes nativos do latim.
Dallari - Sim, já evoluiu, é uma língua com vida própria. Uma vez que uma língua é criada, ela ganha autonomia. Começa a mudar e não há o que fazer. Não há nenhuma política lingüistica capaz de controlar esse processo espontâneo de mudança da língua.
Folha Online - E como se dá a integração dos árabes-israelenses à língua?
Dallari - A maior parte dos árabes-israelenses fala hebraico, tanto porque eles aprendem na escola, quanto porque eles têm que usar na vida cotidiana. Apesar das cisões, há um grau de integração muito grande na vida, principalmente na parte comercial das cidades, entre as duas comunidades. Então, os árabes se comportam um pouco como imigrantes --como se fossem árabes em Londres e tivessem que falar inglês, eles falam hebraico. E como acontece sempre nesses casos, muitos árabes da elite árabe-israelense começam a colocar, por exemplo, seus filhos em colégios que só falam hebraico.
Dallari - Em 20 anos.
Tradição oral
Folha Online - Se o hebraico não tinha vogal, como ela era pronunciada?
Dallari - Na base da tradição oral. Havia uma tradição oral que persistia através da liturgia, que tinha a forma de pronunciar. Mas mesmo isso não é seguro, porque mesmo o uso litúrgico não garante que as pessoas pronunciem do mesmo jeito. Vão acontecendo ao longo do tempo pequenas mudanças que não são percebidas, de tal maneira você não tem nenhuma garantia que a pronúncia litúrgica é mesma de anos atrás.
Dallari - Como com o próprio latim. A missa católica era em latim até o começo do século 20, embora ninguém mais falasse. Reza a missa to da em latim não só o padre, mas os fiéis também respondiam em latim.
Dallari - Pela tradição, pelo costume. Um ouvia o outro recitando e recitava igual.
Folha Online - A população israelense em geral tem uma tolerância ao sotaque, o que facilitou a integração e a comunicação. Por que isso se dá? Deve continuar assim?
Dallari - É verdade, até porque eles não tinham escolha. Não havia a opção de não ter tolerância ao sotaque até porque não tinha um sotaque formalmente estabelecido.
A tendência, como sempre, em toda língua viva, é que comecem a aparecer variantes de prestígio, alguma versão. A mais provável, digamos, [segundo] o padrão histórico é: a versão das classes cultas, sofisticadas e ricas de Tel Aviv, que é a cidade mais importante, ser considerada sofisticada, e as outras serem consideradas variantes mais populares ou caipiras e etc.
Folha Online - Nos tempos em que o hebraico ela falado, outros povos também falavam o hebraico?
Dallari - Não, só os judeus.
Dallari - O principal motivo foi a própria diáspora. A dispersão dos judeus fez com que eles acabassem por adotar a língua dos países anfitriões.
Dallari - Aos usos litúrgicos. Ninguém mais falava o o hebraico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário